Familiar responde por dívida com aposentadoria para quitar crédito de empregada doméstica
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A Lei Complementar n.º 150/2015 prevê que, no contrato de trabalho doméstico, empregador não é apenas a pessoa contratante, mas todo o conjunto familiar que se beneficia com a força de trabalho. Por isso, a Seção Especializada (SE) do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR) determinou a inclusão no polo passivo e penhora de 30% do valor acima do teto dos proventos do Regime Geral da Previdência Social do cônjuge da mulher que assinou o contrato de trabalho de uma empregada doméstica de Campo Largo. O julgamento ocorreu em novembro de 2024.
A relação de emprego perdurou de fevereiro de 2012 a março de 2015. Após ser dispensada, a empregada ajuizou ação pleiteando verbas não pagas, pedido deferido pelo Juízo de 1ª instância. A patroa, entretanto, não quitou o valor devido e, durante a execução, houve a inclusão do cônjuge da executada apenas como terceiro interessado para fins de pesquisa patrimonial. Eles são casados em comunhão de bens. No processo de execução, diversos convênios para localização de bens já foram utilizados, mas sem sucesso.
Diante do impasse, a trabalhadora pediu a penhora dos proventos de aposentadoria do cônjuge da patroa, o que foi indeferido pelo Juízo de origem, por considerar absolutamente impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, conforme consta no art. 833, do Código de Processo Civil (CPC).
A decisão foi contestada, tendo sido submetida à Seção Especializada. Inicialmente, o Colegiado ressaltou a legitimidade de incluir o cônjuge no polo passivo da execução. Salientou que o artigo 1º da Lei Complementar n.º 150/2015, que disciplina o contrato de trabalho doméstico, autoriza reconhecer como empregador doméstico não apenas a pessoa, mas também a família - ou o conjunto familiar - que se beneficia com a força de trabalho.
“Considerando que, em regra, a entidade familiar se beneficia dos serviços prestados pelo trabalhador doméstico, e que somente uma pessoa assina o contrato de trabalho, pois a entidade familiar não detém personalidade jurídica, não se pode afastar a possibilidade de reconhecer a responsabilidade solidária do cônjuge que se beneficiou dos serviços, pelo cumprimento das obrigações decorrentes do vínculo de emprego. O fato de o esposo da executada não constar no título exequendo não impede que a execução lhe seja direcionada, dado o reconhecimento do conjunto familiar como empregador, que decorre da Lei Complementar 150/2015 e o torna responsável solidário como membro”, explicou a relatora do acórdão, desembargadora Marlene Teresinha Fuverki Suguimatsu.
Penhora
A Seção Especializada reformou o entendimento do Juízo de 1º Grau sobre a absoluta impenhorabilidade dos proventos de aposentadoria, conforme determina o art. 833, IV, do Código de Processo Civil (CPC):
"Art. 833. São impenhoráveis:
(...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º;
(...) §2º - O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.”
O Colegiado explicou que a norma busca proteger todos os que encontram no trabalho a fonte de sustento, independente da natureza da relação pela qual os serviços foram ou são prestados. “O objetivo da norma processual foi resguardar o rendimento do trabalho humano e, dessa forma, abrange salários em sentido estrito, vencimentos, soldos, pensões, pecúlios, quantias recolhidas por liberalidade de terceiros e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, proventos de aposentadoria, ganhos do trabalhador autônomo e os honorários do profissional liberal, que devem, portanto, ser considerados impenhoráveis”.
Entendia-se, ressaltou a SE, que a referência à "prestação alimentícia" não abrangia todo o crédito trabalhista, mas apenas os decorrentes de acidente do trabalho e doença ocupacional. Mas o Colegiado, em nova revisão recente de seu posicionamento acerca da matéria, “considerando o vetor da efetividade da prestação jurisdicional, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, passou a considerar possível a penhora de rendimentos de forma mais elastecida. Firmou-se o entendimento de que a expressão ‘prestação alimentícia’ constante no §2º do art. 833 do CPC abrange os créditos trabalhistas de qualquer natureza, por serem considerados verba alimentar, independentemente de sua origem”.
Novos parâmetros foram definidos pela SE para a aferição da intangibilidade do devedor. Esse entendimento inclui o seguinte texto:
“(...) b) para os créditos trabalhistas de natureza diversa, é impenhorável o montante equivalente ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, considerado pelo seu valor bruto, permitida a penhora de 30% do montante que ultrapassar este valor, abatidas apenas as contribuições previdenciárias e o imposto de renda”.
Uma vez que os proventos do cônjuge ultrapassam o teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (cujo valor, à época do julgamento, era de R$ R$ 7.786,02), a SE determinou a inclusão do cônjuge da executada no polo passivo da execução e deferiu a penhora dos proventos de aposentadoria, na proporção de 30% do valor que ultrapassar teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.
Texto: Gilberto Bonk Junior / Ascom TRT-PR
Fotografia: iStock / zoff-photo