Tradição escravagista desrespeita o Trabalho, afirma ministro Maurício Godinho Delgado
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e professor Maurício Godinho Delgado ressaltou a importância da história para o Direito do Trabalho no Brasil e frisou o quanto os séculos de exploração de mão de obra escrava ainda marcam o contexto social e econômico no país: “a tradição maléfica escravagista é desrespeitosa, exploratória, violenta, preconceituosa e degradante, que durou cerca de 350 anos. Ela penetrou nas famílias, nas pessoas. E o desprezo e o desrespeito contra o trabalho e o trabalhador - o negro, da população negra, ou branco, embora com gradações -, atravessou o século XX e chegou até hoje e se manifesta em várias situações que vivenciamos.”
A afirmação foi feita na conferência “Direito do Trabalho e Justiça do Trabalho: papel histórico e desafios”, proferida na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR), em Curitiba-PR. Neste contexto, o ministro enfatizou a importância do Direito do Trabalho: “As características do Direito do Trabalho e sua missão são o que permite a elevação da renda, das condições de vida, de trabalho e de exercício da cidadania, em suas múltiplas dimensões, pela classe que vive do trabalho”.
Após proferir a conferência, o ministro, que é o atual diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), foi homenageado com a Medalha da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho da 9ª Região, denominada Ordem das Araucárias, uma honraria que visa distinguir e perpetuar a memória do labor de pessoas em prol do engrandecimento da Justiça do Trabalho. A solenidade foi realizada no dia 14 de dezembro.
“Temos que pensar na juventude: mulheres e homens que são a nossa esperança. Fiquem conosco na luta pelo bem do Brasil, pela justiça social e pela democracia”, declarou o homenageado, que agradeceu ao Tribunal e à comunidade jurídica paranaense.
O presidente do TRT-PR, desembargador Célio Horst Waldraff, declarou: “Nós, do Direito do Trabalho, temos conosco que não deve ingressar nos umbrais desse ramo do direito quem não conhece a obra do ministro Maurício Godinho Delgado. Seus escritos constituem um passaporte seguro, um salvo-conduto, para quem ingressar nesse ramo do direito e prosseguir de maneira firme, consistente, em direção a uma sociedade mais justa e solidária, finalidade precípua que nos delegou a nossa Constituição”.
Também honrada com a presença do ministro, a diretora da Escola Judicial, desembargadora Ana Carolina Zaina, ressaltou que as reflexões do convidado, sobre o papel histórico e os desafios do Direito e da Justiça do Trabalho, “nos recrudesce em responsabilidades. Ouvi-lo, faz com que em nossos corações se reafirme o amor pela ciência do Direito, em especial pelo Direito do Trabalho”.
O decano do TRT-PR, desembargador Luiz Eduardo Gunther, afirmou que a as palavras do ministro explicou e fez refletir que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho “são elementos civilizadores, são elementos que dão cidadania. E o Direito do Trabalho é considerado uma parte daquilo que nós chamamos de direitos humanos”. Durante a solenidade, o desembargador Luiz Eduardo Gunther também foi homenageado. O jurista recebeu o título de professor emérito da Escola Judicial do TRT-PR, concedido à personalidade que tenha contribuído em sua área de atuação, com relevantes serviços prestados à formação e aperfeiçoamento de magistrados e servidores do Tribunal. Ainda, o desembargador recebeu a medalha de honra ao mérito, concedida a quem contribuiu para o engrandecimento da Escola Judicial e da Justiça do Trabalho. O desembargador dirigiu a Escola Judicial no biênio 2010-2011, época em que criou a Revista Eletrônica.
Justiça social
Ao deplorar os que desejam diminuir a Justiça do Trabalho, o ministro do TST Maurício Godinho Delgado afirmou: “Não se quer saber que aqui existe uma política pública fundamental para pessoas pobres, simples, que não são de classe média alta ou das elites. Por que esse ramo do direito funciona tão bem nos países europeus? E por que não pode funcionar no nosso país? Aqui ele é tratado como algo residual. Essa postura está enraizada com as formas mais tradicionais de exploração que existem em nosso país, como a exploração racial, porque a maior parte da população era e continua a ser negra, e, também, a exploração patriarcal: a questão de não ouvir a voz que vem de um suposto patamar menos importante da sociedade”.
O ministro declarou ainda que os juízes experimentam, desde o primeiro dia na magistratura, uma forte resistência ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho. “Todos nós tivemos várias experiências de desapreço ao nosso ramo do direito. Essas experiências só aumentavam a nossa resistência, a nossa tenacidade e a nossa energia em favor dessa política pública tão importante”.
Alguns dos desafios que esse ramo do direito e a justiça trabalhista têm é o de se aproximar mais da sociedade civil, defendeu o conferencista. “Se a sociedade civil, que é a maior beneficiária da atuação do Direito do Trabalho, não compreender o nosso papel e não for a nossa aliada, nós começamos a periclitar, realmente”. A aproximação com a comunidade internacional, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização das Nações Unidas (ONU), é de fundamental importância. “Temos que ter defensores, não só nós, que compreendemos o nosso trabalho no dia a dia e o resultado do nosso papel, que é cumprir a Constituição Federal”.
As homenagens e conferência “Direito do Trabalho e Justiça do Trabalho: papel histórico e desafios” foram acompanhadas por desembargadores e juízes do Tribunal e por outras autoridades, professores e advogados, como o presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná (AATPR), Marco Aurelio Guimarães, pelo diretor do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sérgio Said Staut Junior, pelo diretor de Prerrogativas e Reivindicações da Associação dos Magistrados Trabalhistas da 9ª Região (Amatra IX), juiz Daniel Roberto de Oliveira, e pelo advogado e diretor do Instituto Edésio Passos, André Passos.
A conferência “Direito do Trabalho e Justiça do Trabalho: papel histórico e desafios” foi promovida pela Escola Judicial do TRT-PR, e teve o apoio da Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná (AATPR), do Ministério Público do Trabalho no Paraná, do Instituto Edésio Passos e da UFPR.
Texto: Gilberto Bonk Junior / Ascom TRT-PR
Fotos: Jason Silva / Ascom TRT-PR