Há 80 anos uma lei redefinia o Brasil
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Exposição 80 anos da consolidação das Leis do Trabalho - TST
Decretada em primeiro de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) entraria em vigor somente em 10 de novembro daquele ano. O “vacatio legis”, período de adaptação da sociedade para uma nova lei, se fosse de seis meses, recairia em primeiro de novembro, e não no dia 10. A data escolhida coincidia com o aniversário do golpe que instituiu o Estado Novo, ou Terceira República, como seria chamada ditadura imposta por Getúlio Vargas entre 1937 e 1946.
O Brasil já participava de acordos internacionais sobre proteção ao trabalho, como a restrição ao trabalho infantil em indústrias e proteção ao trabalho de gestantes.
A CLT foi criada a partir de uma conjuntura internacional que atingiu o Brasil: o impacto da crise de 1929, causada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, que trouxe a necessidade de um estado mais protetivo. Ainda, houve expressivo aumento na industrialização no país, gerando muitos empregos, resultando, com a influência europeia, em uma classe trabalhadora ávida por direitos e democracia, e que partiu para o movimento grevista a fim de conquistar suas demandas.
Ressalta-se a CLT surgiu para os trabalhadores urbanos - principalmente para os empregados da indústria -, que representavam menos da metade dos empregados. Os trabalhadores rurais só seriam afetados pela CLT vinte anos depois, em 1963, com o Estatuto do Trabalhador Rural.
“A CLT foi uma compilação das leis trabalhistas esparsas existentes. Do ponto de vista jurídico, representou um avanço, pois as organizava num só documento. Do ponto de vista econômico e social, procurava fazer uma mediação entre o capital e o trabalho, apresentando-se como uma solução para a luta de classes”, afirma o desembargador Luiz Eduardo Gunther, decano do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR).
“Penso que, como aconteceu no momento da constituinte de 1988, e da Emenda Constitucional 45, de 2004, haverá fortalecimento da Justiça do Trabalho, pois só ela está hoje preparada para enfrentar todos os desafios decorrentes dos problemas relacionados ao trabalho humano em sua mais ampla expressão”, declara o decano, ao falar sobre os 80 anos da entrada em vigor da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), celebrada em 10 de novembro de 2023.
Segurança jurídica
A regulação das leis trabalhistas foi interessante, também, para o empresário, salienta o advogado e professor José Affonso Dallegrave Neto. “Imagine se não houvesse CLT. Que tipo de direito o empregado teria? Estaria permanentemente em greve, reivindicando. A CLT, ao mesmo tempo que é um código de conquista para a classe trabalhadora - jornada de 8 horas, férias remuneradas, entre outros -, é também um código de limites, porque, se o empregador cumpre a CLT, a lei está a favor dele. O empregado não pode postular algo além da CLT. Então, cumprir a norma é uma segurança jurídica”, conclui.
O desembargador aposentado e advogado Manoel Antônio Teixeira Neto lembra que o caráter protetivo da norma é um forte traço desde antes de sua aprovação. Quando se apresentou o projeto do que viria a ser a CLT ao presidente Getúlio Vargas, explica o jurista, o texto chamava-se Consolidação das Leis de Proteção ao Trabalho (CLPT). “Durante a tramitação do processo, eliminou-se o vocábulo “proteção”, tornando-se, então, a CLT como hoje conhecemos. Isso demonstra que o objetivo de toda aquela compilação de leis tinha como centro a proteção ao trabalho. Como o texto era protecionista, tudo o que ele continha haveria de ter essa natureza, inclusive o processo do trabalho, naquelas poucas normas que hoje constam na CLT. Com o passar do tempo, com as transformações na sociedade, na economia e na política, a legislação do trabalho, como um todo, foi perdendo aquele caráter protetivo inicial”.
Mas a CLT não foi um presente do presidente Getúlio Vargas, como muito se pensa, ressalta o advogado e professor Dallegrave. “Apesar de o presidente ter feito essa publicidade, a criação da CLT foi resultado de uma pressão que existia na época, originária da Europa, por democratização. Mas Getúlio Vargas fez questão de dizer que a criação foi uma iniciativa do próprio governo, como se fosse um presente dele para a classe trabalhadora. Isso é um mito. Havia pressão social, greves, havia um contexto internacional desde a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919. Não foi uma opção dele, foi uma conveniência”.
Dallegrave afirma que também existe um outro mito, que diz que a CLT é inspirada na Carta del Lavoro, do fascismo italiano de Benito Mussolini. Segundo ele, a ligação está apenas em “um ou dois artigos no trecho que trata da autorização para abrir um sindicato. Era necessário conseguir uma carta sindical do presidente e do Ministério do Trabalho, um tipo de interferência inspirada no modelo fascista, que era uma maneira de o governo controlar os sindicatos, os quais eram, por essa razão, chamados de sindicatos pelegos, porque eram patrulhados pelo estado”, declara o jurista, lembrando que a criação da CLT se deu em uma ditadura.
Impacto
Em 1943, com a entrada em vigor da CLT, “iniciou-se uma cidadania pela anotação da CTPS, a Carteira de Trabalho e Previdência Social”, lembra o desembargador Luiz Eduardo Gunther. “O Brasil ainda era um país essencialmente agrícola. Só vai se urbanizar a partir dos anos 1950/1960. Então, ainda era incipiente o trabalho urbano, feito por trabalhadores estrangeiros e por trabalhadores que deixaram de ser escravos. A Justiça do Trabalho, inicialmente fazendo parte do Poder Executivo, em seguida fará parte do Poder Judiciário. Ela concilia e soluciona os conflitos. As representações de trabalhadores e empregadores fazem parte da Justiça como juízes classistas, que compunham as Juntas de Conciliação e Julgamento, com um magistrado que depois passa a ser da carreira. Esse impacto civilizador, de o trabalhador poder sentar-se à mesa para dialogar e solucionar o seu problema com o patrão na Justiça, foi muito importante”.
Avanços e retrocessos
O desembargador Luiz Eduardo Gunther destaca alguns dos mais emblemáticos momentos da CLT ao longo dos 80 anos. “Criou-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), para substituir a indenização por tempo de serviço; a representação classista foi extinta, e a Justiça do Trabalho recebeu ampliação de competência para julgar demandas a respeito do dano moral, indenizações por acidente de trabalho e doença ocupacional e ocasionadas por culpa ou dolo do empregador; questões sobre assédio moral e sexual, entre outras.
Os avanços mais recentes com maior impacto se deram implantação do processo judicial eletrônico, substituindo-se os autos (processos) em papel. Os avanços tecnológicos também se fizeram sentir nas audiências, nas sessões dos Tribunais e na produção de provas.
José Affonso Dallegrave também destaca alguns pontos importantes da trajetória da Justiça do Trabalho e do significado da CLT ao longo das décadas:
“A nossa economia, que quando nasceu ainda era muito ligada à questão agrária, sofreu forte industrialização. Depois, tivemos uma sociedade pós-industrial, com predominância das prestações de serviços. E, hoje, temos um outro tipo de capitalismo, que chamamos de capitalismo de plataforma, em que todas as negociações, chamadas, serviços, contratos, acontecem por intermédio de aplicativos ou de plataformas digitais. Nesse sentido, houve uma sensível alteração, resultando em um conflito, porque a CLT foi toda construída no modelo da fábrica, da indústria, e hoje existe o modelo de um trabalho subordinado por algoritmos, telemática. Também existe a figura do teletrabalho, do trabalho remoto. Por isso, a CLT precisa ser resinificada para atender essas alterações, sobretudo as provocadas pela tecnologia”, sustenta o professor.
Reforma Trabalhista
Para o desembargador Luiz Eduardo Gunther, a Reforma Trabalhista (Lei n.º 13.467/2017) não foi devidamente analisada e discutida. O jurista afirma que a rapidez com que foi apresentada e votada no Congresso mostra que não decorreu de um processo de “diálogo social” como pede a OIT em seus documentos. “O principal obstáculo criado pela reforma foi de acesso à justiça pelos trabalhadores no que diz respeito ao ônus pela sucumbência, a imposição de pedidos líquidos, as exigências abusivas para uniformização de jurisprudência, o tabelamento dos valores para indenização por dano moral. Mas o principal problema gerado foi quanto aos sindicatos. Exige-se autorização para o desconto da contribuição sindical, pela primeira vez na história, retirou-se a assistência sindical nas rescisões contratuais, proibiu-se a ultratividade dos pactos coletivos e a necessidade de justificativa para dispensas coletivas, sobrepondo os acordos coletivos às convenções coletivas. O Supremo Tribunal Federal (STF) vem examinando as ações de inconstitucionalidade e algumas ainda estão pendentes, como a do trabalho intermitente”.
O trabalho intermitente é, também, para o advogado José Affonso Dallegrave Neto, um dos pontos da reforma trabalhista que prejudicaram o trabalhador. Em seu entendimento, ao contrário do CPC de 2015, “alinhado com princípios sociais, solidários, de ampla defesa, da Constituição Federal, a reforma trabalhista vem para atender as reivindicações da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A partir da reforma, começou um novo ciclo no Direito do Trabalho. Por exemplo, a questão dos bancos de horas, que pode ser até tácito se acontecer no próprio mês. Também há a desnecessidade da chancela sindical, se o banco de horas não for semestral. Destaco ainda que a reforma acabou com a equiparação salarial, pois criaram tantos requisitos novos para caracterizá-la, que hoje é difícil alguém ganhar equiparação salarial na Justiça do Trabalho. Ainda, houve um estímulo a contratos precários, como o contrato intermitente, em que o empregado só é pago quando efetivamente convocado a trabalhar, não tendo mais aquela noção de trabalhador à disposição do empregador. Não podemos esquecer que, junto com a reforma, tivemos uma lei que deformou o instituto da terceirização. A terceirização nasceu para terceirizar atividades secundárias da empresa, como higiene, cantina, estacionamento. Mas, a partir da lei, permitiu-se terceirizar até mesmo atividades essenciais. E aí abriu-se uma lacuna muito grande para casos fraudulentos”, explica o decano do TRT-PR.
O advogado Manoel Antônio Teixeira Neto, outro conhecido crítico da Reforma Trabalhista, afirma que, com as transformações na sociedade, na economia e na política, a legislação do trabalho, como um todo, foi perdendo o caráter protetivo. “Tenho sido um crítico da reforma. Poderia também estender a minha crítica à parte de direito material. Mas, por uma questão de síntese, vou apenas mencionar o impacto na parte processual”. Abaixo, o jurista destaca alguns tópicos da reforma trabalhista que, em seu entendimento, prejudicaram o trabalhador:
- Indicação do valor dos pedidos
“Devo começar dizendo que uma das disposições da reforma que me causaram uma certa indignação foi a alteração do artigo 840, parágrafo único, da CLT, exigindo que a petição inicial contivesse a indicação do valor dos pedidos. Isso causou um impacto negativo extraordinário, especialmente nos primeiros anos, porque, por tradição, o CPC, desde as suas origens (as versões de 1939, 1973 e 2015), exigiu que o pedido fosse certo e determinado, basicamente. Se certo quanto à existência e determinado quanto ao seu objeto. Mas o legislador trabalhista de 2017 deu um infeliz passo além, exigindo que o pedido, além de certo e determinado, tivesse, também, a sua expressão monetária. Em termos práticos, essa mudança foi desastrosa, porque, como um trabalhador teria condições de calcular o valor de cada pedido? Ressaltando-se que as iniciais trabalhistas costumeiramente contêm 6, 8, 10, 15 pedidos, imagine a dificuldade para o trabalhador, ainda que com advogado constituído, tem para calcular o valor de cada pedido, principalmente porque toda a documentação, em regra, fica com o empregador. Nem sempre o trabalhador tem documentos capazes de permitir que ele, consultando-os, fixe um valor. Essa questão gerou uma situação preocupante, E eu não podia negar vigência à lei. Estávamos vivendo uma nova verdade sob esse aspecto. Então, tentei fazer ponderações, dizendo, que da maneira como estava o texto, a norma beirava até a inconstitucionalidade, porque, na prática, estavam criando um obstáculo ao exercício ao direito constitucional de ação, que é de suma importância para um estado democrático de direito. Movido por essa perturbação, eu produzi um livro que saiu entre a publicação e a vigência da lei, no qual eu procurei abrandar esse dispositivo, dizendo que se poderia admitir um pedido genérico, mais ou menos como o processo civil em alguns casos permite. Mai tarde, debruçando-se detidamente sobre o dispositivo, eu resolvi sustentar a opinião, em palestras e artigos, que o pedido poderia ser por estimativa, porque a reforma exigiu que os pedidos contivessem um valor, mas ela não disse que tipo de valor. Valor líquido, valor certo? A norma fala em “um valor”, apenas. Por isso, baseado em uma interpretação quase que semântica, passei a sustentar que seria possível um pedido por estimativa. Mas desde que isso não impedisse que a sentença, quando fosse o caso, condenasse o réu ao pagamento de quantias superior que foram estimadas. Essa ideia foi criando corpo aqui, acolá, no âmbito da doutrina, e passou depois para a própria jurisprudência, e o próprio TST, quando edita a Instrução Normativa 41, diz que o valor da causa pode ser por estimativa. E assim tem sido feito na maior parte dos casos: abrandar o rigor da expressão literal da lei e permitir que se aceite o pedido por estimativa”.
- Princípio da sucumbência
“ O artigo 791 - A, acrescentado à CLT com a reforma, traz o princípio da sucumbência. Significa a possibilidade de haver a condenação das partes ao pagamento dos honorários advocatícios, tanto o autor quanto o réu. Por que indignação? Isso não é uma tradição do processo civil? Mas nem tudo o que é do processo civil serve ao Processo do Trabalho. O CPC de 1939 já trazia o princípio da sucumbência. Sim, por isso é que eu falo em tradição. Quando se elabora o projeto que se converteria depois no decreto-lei que instituiu a CLT, o legislador sabia da existência dessa norma do CPC de 39 que consagrava a sucumbência. Mas não trouxe à CLT, não por desconhecimento, mas porque não quis trazer. O CPC de 1973, claro, manteve o princípio da sucumbência, e a doutrina e a jurisprudência trabalhistas se manifestam contrárias à possibilidade. Com o CPC atual, de 2015, a jurisprudência trabalhista seguiu, coerentemente não aceitando o princípio da sucumbência. Mas, infelizmente, contrariando toda essa tendência jurisprudencial, a reforma insere na CLT esse artigo 791 – A a condenação ao pagamento de honorário. Nos primeiros anos da CLT reforma, esse princípio causou um afugentamento do trabalhador, porque, naturalmente, receoso de vir a ser condenado a pagar honorário naquilo em que sucumbisse. O que se viu, em muitos casos, para que empresas conseguissem acordos muito convenientes, foi uma espécie de ameaça: se você for à justiça, há o risco de você ganhar um ou dois pedidos, mas três ou quatro, não. É um argumento perverso. Como advogado, vivi essa situação: temor das de que nada venha a receber e ainda tenha que pagar. A mídia, nos primeiros tempos da CLT reformada, divulga notícias sobre condenações muito altas ao pagamento dos honorários advocatícios. O processo do trabalho deveria, nesse aspecto, manter-se fiel às suas origens: cada parte responde pelos honorários dos advogados que ela contratar”.
- Juiz do trabalho
“Uma das características do juiz do trabalho era a sua amplitude dos poderes dadas pelo artigo 765 da CLT, que diz que juízes do trabalho terão ampla liberdade na condução do processo. Com o advento da reforma, restringiu-se a possibilidade de o juiz exercer com amplitude a sua liberdade, ou seja, tirou-se do juiz a possibilidade de ele dar início à execução. Agora, esse ato depende da iniciativa da parte (com exceção dos casos em que cidadão não possui advogado). Dispositivo absolutamente injustificável. Não vi razão jurídica para essa alteração, principalmente porque a execução trabalhista não é um processo autônomo, como é no processo civil. No processo trabalhista, é uma mera sequência do processo de conhecimento. Isso sempre foi feito desde o início da vigência da CLT. Dessa foram, não vi razão para que o juiz do trabalho, em momento tão importante do processo, não possa continuar a exercer a sua liberdade de condução, de reitor do processo. Mas, no artigo 876, ainda está escrito que o juiz poderá tomar a iniciativa da execução de contribuições sociais. Talvez por inadvertência, o reformador não se deu conta do dispositivo. O que temos hoje, então? Um tratamento diferenciado. O que isso significa em termos concretos: um tratamento discriminatório, que nos remete a uma violação do artigo 5º da Constituição Federal, que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. E quando o juiz tinha a iniciativa da própria execução, de certo modo, ele estava também atendendo a um outro mandamento constitucional, que é o da celeridade processual. Agora, vai depender de requerimento da parte para dar início à execução.
- Preposto
“A reforma trabalhista deixou de exigir que o preposto seja empregado. Antes, a jurisprudência era omissa sobre isso, mas concluía- se que, pela lógica, deveria ser um empregado da empresa, e eu defendo que seja um empregado, pois tem mais conhecimento dos fatos, direta ou indiretamente, dando ao juiz mais informações dos acontecimentos. Com a reforma, o preposto não precisa ter vínculo de emprego com a empresa, permite-se qualquer um na condição de preposto. Criou-se, então, a figura do preposto profissional. E ele é astuto, ele procura saber tudo sobre os fatos. E há um caso emblemático, em que um mesmo preposto participou de três audiências consecutivas envolvendo empresas distintas”
- Incidente de desconsideração da personalidade jurídica
“A CLT sempre foi vanguardista na parte processual. Desde pelo menos 1970, o processo já fazia uso da desconsideração da personalidade jurídica, sem se preocupar com rótulo. Houve um movimento para regulamentar, e construímos informalmente uma regra, o que nada mais era do que a desconsideração da personalidade jurídica. Hoje é diferente: primeiramente, é instaurado o incidente; na sequência, o executado tem 15 dias para apresentar defesa; depois há uma instrução; e somente depois de todo esse caminho é que se vai decidir pela desconsideração da personalidade jurídica. É o CPC transportado para o processo do trabalho. Mas o CPC não se adequa totalmente ao processo do trabalho”, frisou o advogado, ressaltando que ele preside uma comissão para a elaboração de um anteprojeto de lei visando à criação de um código de processo do trabalho.
Desafios atuais
É necessário regulamentar o “trabalho de plataforma”, diz José Affonso Dallegrave Neto. “Não se sabe se o trabalhador do Uber ou de sistemas de entrega, por exemplo, é autônomo e não tem direitos ou é empregado e tem todos os direitos trabalhistas. É um novo conceito de subordinação jurídica, que sai um pouco daquele formato da fábrica, da indústria, que era a CLT em 1943. E agora, há a chamada ‘subordinação por algoritmo’. Esse empregado não é mais controlado por uma pessoa, presencialmente: ele é controlado por um sistema de login e senha, no qual tem tarefas a cumprir, submeter-se a tarifas e respeitar a pontualidade. Tudo isso tem que ser regulado. Deve-se coibir o excesso de vigilância e de controle por câmeras, softwares. O direito do trabalho precisa dar uma resposta a essa questão”.
O desembargador Luiz Eduardo Gunther acredita que o grande desafio atual da Justiça do Trabalho não é reconhecer se os trabalhadores por aplicativos são ou não empregados, mas, sim, manter a competência da Justiça do Trabalho para essas demandas.
“O STF em diversas manifestações tem rejeitado (em decisões individuais) o vínculo de emprego quanto aos trabalhadores em plataformas digitais, e também dos pejotizados, que são contratados como pessoas jurídicas. O maior desafio, além de regular um sistema de proteção tradicional, um sistema de proteção relativamente à automação do trabalho e de dispensa abusiva ou sem justa causa (as duas ações de inconstitucionalidade por omissão ajuizadas pela Procuradoria Geral da república encontram-se no STF), é que todas as demandas nas quais se discuta a existência de trabalho humano (e não apenas vínculo) sejam claramente de competência da Justiça do Trabalho. Esse tema aliás é trazido pela Convenção 190 da OIT, que prevê que a violência e o assédio definem-se como acontecendo com quem trabalha, não apenas com quem é empregado”, finaliza o desembargador.
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Gilberto Bonk Jr / Ascom TRT-PR