Fazer uma coisa de cada vez
Costumo ouvir pessoas se gabarem da sua capacidade de serem multitarefa. Tenho certeza de que você também. Se você
mesmo não faz isso, você conhece alguém que faz — o cara que gerencia três projetos de uma vez, que dirige e fala ao
celular ao mesmo tempo, que promove sua competência ao reclamar em alto e bom som sobre o malabarismo que tem de fazer
para conseguir cumprir todas as suas tarefas todos os dias. Esse tipo de “ostentação de ocupação” está se tornando
parte da nossa cultura de trabalho. Nas descrições de tarefas de um cargo, agora se veem requisitos como “deve ser
capaz de gerenciar cinco projetos simultâneos de forma equilibrada”.
A capacidade de fazer malabarismo parece tão atraente — principalmente em uma era na qual as informações fluem
por milhares de canais diferentes e a frase “preciso disso pra agora” está se proliferando. Queremos ser o
cara — o supermalabarista. Dizemos para nós mesmos que vamos conseguir. Infelizmente, não vamos
conseguir. E quanto mais acharmos que vamos conseguir, pior ficamos.
Um exemplo bem esclarecedor é a prática de dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo. E as pesquisas são muito claras
sobre isso: as pessoas que dirigem enquanto falam ao telefone envolvem-se em mais acidentes do que as que não o fazem.
O problema é ainda mais alarmante quando você considera que, de acordo com a National Highway Transportation Safety
Administration, uma agência norte-americana de segurança nos transportes, a qualquer dado momento, 8% das pessoas nas
estradas estão falando ao telefone celular. Esse é o legado do conceito de multitarefa.
Eis uma citação do meu artigo favorito sobre o assunto
[…] mesmo quando os participantes direcionam o olhar para objetos enquanto estão dirigindo, eles não conseguem
“enxergá-los” quando estão falando ao celular porque sua atenção está afastada do meio externo e concentrada no
meio interno, um contexto cognitivo associado à conversa telefônica
Isso mesmo, as pessoas realmente olham para um objeto, o carro cuja traseira eles estão prestes a bater, ou a árvore na
qual eles vão enfiar o carro, mas elas não veem. Ainda assim, nós insistimos em dirigir e falar ao telefone ao
mesmo tempo.
Eu consigo ler a sua mente agora mesmo. Você está pensando “bem, outras pessoas não conseguem fazer isso. Mas eu vou
conseguir, porque sou um executivo poderoso” ou “Eu sou uma mulher inteligente. Eu consigo; eles não”. Os estudos,
porém, são bastante claros sobre o assunto: se você acha que é bom nisso, você é, na verdade, pior do que todo mundo. A
Utah University, que realizou uma série de pesquisas interessantes nessa área, perguntou às pessoas se elas achavam que
eram boas em multitarefas — tais como usar o telefone celular ao dirigir, e depois as testou para conferir se estavam
certas. Eis as conclusões dos pesquisadores:
Descobrimos que a percepção das pessoas acerca da própria capacidade de serem multitarefa é muito exagerada; na
verdade, a maioria dos participantes se considerava acima da média. Tais estimativas tinham muito pouca
fundamentação na realidade. Assim, parece que as pessoas mais propensas a realizar multitarefas e usar o celular
enquanto dirigem são aquelas que apresentam uma percepção exagerada de suas capacidades.
O autor principal do estudo, David Sanbonmatsu, disse ao blog da NPR, Shots, em janeiro de 2013: “as pessoas não são
multitarefas porque são boas nisso. Elas fazem porque são mais distraídas. Elas não conseguem inibir o impulso de fazer
outra atividade”. Em outras palavras, as pessoas que fazem diversas coisas ao mesmo tempo não conseguem se
concentrar, elas não conseguem evitar isso.
Eu provavelmente não deveria estar usando “elas”, mas “nós”. Todos nós fazemos isso. É difícil evitar. E o principal a
ser lembrado aqui é que fazer isso é burrice. Quero que você faça um pequeno exercício, que eu sempre aplico nos meus
cursos de treinamento. É simples, mas mostra o profundo impacto do foco e do fluxo. Mostra como multitarefas são árduas
para o nosso cérebro, e como isso reduz o seu ritmo, mesmo que você acredite que está aumentando. Demonstra como essas
atividades desperdiçam tempo e energia.
A tarefa consiste em escrever os números de 1 a 10 em algarismos arábicos e romanos (I, II, III, IV etc.), e as letras
do alfabeto, do A ao L. Prepare-se para fazer isso. Você quer realizar a tarefa o mais rápido possível. Mas eu quero
que você faça isso da primeira vez da seguinte forma: escreva os numerais cardinais, os algarismos romanos e as letras
do alfabeto, de forma que o papel fique assim:
Você deve fazer uma linha de cada vez. Cronometre seu tempo. Eu vou fazer junto com você. Eu levei 39 segundos. Agora,
em vez de fazer por linha, faça por colunas. Então, primeiro você fará os numerais cardinais, em seguida, os algarismos
romanos e, por último, as letras do alfabeto. Vou fazer também. Levei 19 segundos. Simplesmente por fazer uma de cada
vez, em vez de ficar trocando um contexto pelo outro, eu cortei pela metade o tempo que levei para realizar a
tarefa.
“Tudo bem, Sutherland”, ouço você dizer, “isso pode ser verdade para falar ao telefone e dirigir e fazer listas
idiotas, mas eu dirijo uma empresa. Eu tenho de fazer um monte de coisas ao mesmo tempo — eu tenho equipes trabalhando
em cinco projetos simultâneos. Eu tenho que me manter competitivo. Eu não tenho condições de fazer diferente”.
Aqui é onde a incrível quantidade de pesquisa realizada em projetos de desenvolvimento de software se torna muito útil
novamente. Lembre-se: as pessoas fizeram essa pesquisa porque continuavam desperdiçando centenas de milhões de dólares
todos os anos, e seus produtos só pioravam. Então, sendo os engenheiros que eram, começaram a procurar dados para mensurar
tudo. Há um diagrama excelente que aparece em dos trabalhos clássicos sobre como desenvolver software para computadores,
“Software com qualidade”, por Gerald Weinberg
A coluna “Perda com a troca de contexto” é puro desperdício. Isso mesmo: se você tem cinco projetos, cerca de 75% do
seu trabalho não vai a lugar algum — três quartos do seu dia são jogados na lata de lixo. É por isso que você não
consegue escrever as linhas e as colunas com a mesma velocidade: isso se deve às limitações físicas do cérebro.
Um cientista chamado Harold Pashler demonstrou isso no início da década de 1990, e o chamou de “Interferência dual de
tarefas”. Conduzindo alguns experimentos, ele pedia a um grupo para realizar uma tarefa bastante simples, como,
digamos, pressionar um botão se uma luz se acendesse. Então, pedia a outro grupo para fazer o mesmo, e mais outra
tarefa simples, como pressionar um botão diferente dependendo da cor da luz. Assim que outra tarefa foi acrescentada,
não importando o quão simples, o tempo envolvido dobrava. Pashler teorizou que havia algum tipo de gargalo de
processamento — que as pessoas só conseguem pensar sobre uma coisa de cada vez. Ele avaliou que certo esforço está
envolvido em “empacotar” um processo, chegando à sua memória e extraindo outro e, então, voltando ao trabalho. E cada
vez que você troca as tarefas, tal processo leva determinado tempo.
Como resultado, você não faz isso, porque se concentra totalmente em uma coisa de cada vez. Você fala ao celular, e
mesmo que só esteja falando sobre comprar leite, você literalmente não consegue enxergar o carro à sua frente. O seu
cérebro não consegue processar duas coisas ao mesmo tempo. Há alguns estudos recentes que usaram imagens por
ressonância magnética para mapear o cérebro que está pensando. Os dados mostram que é possível pensar em duas coisas ao
mesmo tempo com apenas um processo ocorrendo em cada lobo cerebral. Mesmo assim, porém, as imagens indicam que o
pensamento não ocorre de forma simultânea; em vez disso, o cérebro alterna de uma tarefa para outra de forma seriada.
Basicamente, existe uma função de controle, sendo impossível discutir consigo mesmo de forma vigorosa demais.
Então, voltemos ao trabalho. O que isso significa quando você tenta fazer com que as tarefas sejam realizadas? Bem,
vamos analisar uma equipe típica. Naquele ano, eles decidiram fazer três projetos — vamos chamá-los A, B e C. E eles
planejaram seu ano, dizendo que vão fazer um pouco para este projeto, depois, um pouco para o outro e, em seguida, o
outro, então o calendário deles era mais ou menos assim:
Ao tentarem fazer tudo de uma vez — a estratégia clássica —, concluirão os três projetos até o final de julho. Mas, se
utilizarem a abordagem Scrum, ao levar cada projeto para a coluna “Feito”, um de cada vez, eles minimizarão os custos
da troca de contexto e conseguirão finalizar tudo até o início de maio.
Eles não mudam o tamanho do projeto, nem os elementos envolvidos na sua criação, mas apenas fazendo uma coisa
exclusivamente antes de avançar faz com que a tarefa leve um pouco mais do que a metade do tempo. Metade.
E quanto à outra metade? Puro desperdício. Nada mais é produzido. Nem um dólar economizado, nenhuma inovação
implementada. Trata-se apenas de um desperdício de vida humana. É o trabalho sem propósito.
Então, esse é o custo da multitarefa. Todos nós vivemos em um mundo no qual existem múltiplas demandas do nosso tempo.
As pessoas querem coisas diferentes de nós: o telefone toca e trata-se de uma ligação muito importante, as crianças
chegam da escola, o chefe entra no nosso escritório. O que eu quero, porém, é que você se torne consciente do custo da
troca de contexto. Ela é real e você deve tentar minimizá-la.
Se você está trabalhando em algo complexo — por exemplo, elaborar um relatório, criar uma apresentação, desenvolver um
software ou editar um livro —, você tem um objeto incrivelmente complexo na sua mente. Você precisa levar em
consideração dezenas de fatores, lembrar-se do que você já fez, qual é seu objetivo e quais obstáculos podem surgir, e
isso é bastante complicado. Então, o que acontece se você é interrompido ou se tem de trocar rapidamente para outro
projeto, mesmo que apenas por um instante? Você já deve ter adivinhado: aquela arquitetura mental cuidadosamente
construída desmorona. Pode levar horas de trabalho apenas para voltar ao mesmo estado de consciência e atenção. Esse é
o custo. Então, minimize esse desperdício tentando fazer de uma vez só todas as tarefas que exigem um tipo específico
de concentração. Divida essas tarefas em blocos de tempo, nos quais será possível desligar o telefone e colocar na
porta uma placa “Não perturbe”.
Já foram realizadas algumas pesquisas que demonstram que ser multitarefa não apenas desperdiça o seu tempo, mas também
torna você burro. Um estudo feito na Universidade de Londres, em 2005 (reconhecidamente um estudo bem pequeno e não
revisado por especialistas, mas ainda assim importante), 30 mensurou o quanto uma pessoa emburrece ao realizar
multitarefas. O psiquiatra Glenn Wilson testou o QI de quatro homens e quatro mulheres em dois momentos: um calmo e
outro cheio de distrações (telefone tocando, emails chegando). Durante os testes, ele mensurou a condutância térmica da
pele, a frequência cardíaca e a pressão arterial. E, curiosamente, o QI médio caiu mais de dez pontos quando eles se
encontravam em ambientes com distrações. Ainda mais curioso foi o fato de essa queda ser mais acentuada em homens do
que em mulheres (talvez, por algum motivo, as mulheres estejam mais habituadas a distrações).
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